domingo, 16 de março de 2014

# Chupapoeta

O ALVOROÇO DOS POETAS*


# Luciana Carrero

A mim que nada tenho neste mundo
Que a fome corrói e ao animo abate
Resta procurar um lugar qualquer
Para despencar meu corpo cansado

Quem sabe, uma cama de folhas secas
Trapos mijados de outros deserdados
Ou até restos de colchões de espuma
Deixados sob a marquise de um Banco

Durmo nas folhas não para alarmar
Formigas, carrapatos, na calçada
Lá na porta bancária não estou
para escandalizar capitalistas

Espuma molhada, trapos mijados
São apenas a contingência única
Das migalhas que a vida me deixou
Só resta sobre eles despencar

Certa vez despenquei nos braços frios
De uma estátua de lata zinabrada
Nela dormi, com meu fedor de cola
Foi isso, apenas isso, e nada mais

Passou alguém com seu smartphone
E bateu esta foto desgraçada
Não me deu um pão, mas usou a imagem
Para chamar atenção, na Internet

Disseram que esta lata era um poeta
Sentado numa praça da cidade
E os poetas choraram de emoção
Vendo Poesia nesta sina triste

Sabe o que me deram, os sonhadores?
- Muitos poemas, em rimados versos
Mas não estava lhes pedindo nada
Me escorei pra morrer na fria lata!

* Os poetas alvoroçados pediram para compartilhar ou escrever um poema. Escrevi o que realmente senti. Não vai ajudar aos miseráveis. Escrever um poema lírico sobre isto, é o mesmo que assumir posição de Nero, tocando lira no incêndio de Roma. Resultou nesta visão realista, nua e crua.