segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

#A Baba do Poeta # conto # Luciana Carrero


A Baba do Poeta

Luciana Carrero

Ele tinha inspirações incríveis, mas lhe faltavam as palavras bonitas; o serviço delas, bem servido; a cumplicidade com os vocábulos. A deles presença na hora certa. Era poeta só lá no mundo interior; e não conseguia trazer a lume o fantástico, que via com os olhos da alma angustiada. Então, ia para as tabernas beber vinhos e graspas da mais baixa qualidade, para afogar a sina triste. E babava chorumelas.  
Um jovem aventureiro andava pelas estradas, com sua mochila e sua guitarra; conhecia bem as palavras e executava o seu instrumento, com precisão, mas não tinha inspiração.
Um dia chegou, na taberna, e viu o poeta encripitado, babando chorumelas neste balcão.
Quando o taberneiro foi limpar as babas, o jovem falou: deixa que eu limpo tudo que ele babar no balcão. Ficou limpando as chorumelas, por vários dias, mas não bebia nada. Guardava os panos, dia após dia, na sua mochila encardida.
Até que um dia foi embora, cheio de panos sujos das babas. Sentou-se ao pé de uma árvore frondosa e colocou os panos babados ao redor. Vieram pássaros e passeavam por cima daqueles panos, bicavam e cantavam as babas dos panos, que o jovem poeta acompanhava, com sua guitarra e recitava as canções com sua voz, em palavras, que antes não tinham inspiração. Daí saíram belas canções de amor.
Então as lindas ninfas e gnomos também passaram a chegar; e mais borboletas e sonhos, misteriosos entes astrais, e tudo o mais que um poeta possa precisar. As ninfas morenas e risonhas dançavam ao seu redor; e veio o povo da aldeia, vieram crianças e anjos, acariciar seus cachos dourados e mirar-se nos olhos azuis do poeta bem letrado, que limpava babas de inspirações para compor suas canções.